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Alimentação à base de soja em crianças e papel de gênero

terça-feira, 3 de janeiro de 2012 2 comentários
O primeiro lembrete a ser feito logo de início é que gênero (cromossômico, gonádico, corporal, legal), identidade sexual e papel de gênero são conceitos completamente diferentes de orientação sexual. Ou seja, esta postagem e o estudo do qual iremos falar não é sobre hetero ou homossexualismo. Orientação sexual é fortemente mediada pela cultura. Já a identidade sexual e o papel de gênero têm um componente biológico importantíssimo*. O papel de gênero é bastante influenciada pelos hormônios esteróides nos períodos pré-natal e pós-natal precoce. Pesquisas (tanto com humanos como com outros animais) indicam que os comportamentos característicos de cada gênero sofrem influência dos níveis desses hormônios no período pré-natal, apesar de não se saber ao certo a influência dos níveis desses hormônios no período pós-natal.

A soja contém bastante isoflavonas, também chamadas de "fitoestrogênios". Essas substâncias são capazes de se ligar aos receptores estrogênicos e, portanto, exercerem efeitos similares ao do estrôgeno. Não é à toa que substâncias contendo soja têm sido indicadas para atenuar os efeitos da menopausa, apesar de sua eficácia ser ainda controversa. Em homens, há relatos de caso de ginecomastia e níveis elevados de estrogênio atribuída à alimentação à base de soja (com normalização após a suspensão da dieta), mas a capacidade de feminilização da soja também é controversa. Ou melhor, esses efeitos da soja sobre os homens é praticamente nulo nas quantidades habituais em que a soja é ingerida.

Em virtude dessas características da soja e da importância dos hormônios na determinação da identidade sexual no início da vida, Margaret A. Adgent e seus colegas resolveram investigar se há alguma associação entre uma alimentação contendo soja já no início da vida e o desenvolvimento da identidade sexual.

Foram estudados o expressivo número de 3.664 meninos e 3.412 meninas. Quatro categorias de exposição à soja foram criadas usando dados de questionários aplicados aos 6 e 15 meses após o parto:
- Aleitamento materno: aleitamento exclusivo até ≥ 6 meses.
Fórmula precoce: qualquer outra dieta que não soja introduzida com ≤ 4 meses e nenhum alimento com soja antes dos 24 meses.
Soja precoce: alimentação com soja com ≤ 4 meses.
Soja tardio: alimentação com soja introduzida entre 4 e 15 meses.

O comportamento lúdico relacionado ao papel de gênero foi avaliado através do Inventário de Atividades Pré-Escolar (PSAI). Associações entre a alimentação infantil e os escores do PSAI aos 42 meses de idade foram avaliados através de regressão linear. Uma análise post hoc dos escores do PSAI também foi realizada aos 30 e 57 meses .

Bebês com alergia à lactose podem
ter de se alimentar com leite de soja.
O uso precoce da soja foi relatado por cerca de 2% dos participantes. A soja precoce (vs fórmula precoce) se associou com maior pontuação (menos feminino) no PSAI em meninas, mas não esteve significativamente associada com os escores do PSAI em meninos. A associação entre a exposição de soja e os escores do PSAI em meninas foi substancialmente atenuada aos 30 e 57 meses. Ou seja, apesar de não ser consistente durante toda a infância, a exposição à soja no início da vida esteve associada com comportamento lúdico menos feminino em meninas aos 42 meses de idade, apesar de os escores do PSAI ainda estarem dentro da normalidade em todos os participantes. A exposição de soja não influenciou significativamente o comportamento lúdico dos meninos.

As mais importantes limitações do estudo são a amostra pequena de crianças que tiveram uma alimentação com soja precocemente e o fato de os autores não terem quantificado a exposição à soja, de modo que foi impossível realizar uma análise de dose-efeito ou mesmo saber se a quantidade de soja ingerida era de algum modo relevante ou não. Os níveis hormonais também não foram quantificados. Estudos futuros devem tentar esclarecer se esse tipo de alimentação tem ou não alguma relevância na determinação do papel de gênero e se são capazes de alterar os eixos hormonais de nossas crianças.


Referência:
- Early-life soy exposure and gender-role play behavior in children.Adgent MA, Daniels JL, Edwards LJ, Siega-Riz AM, Rogan WJ.Environ Health Perspect. 2011 Dec;119(12):1811-6. Link (o artigo está disponível gratuitamente).


*Os comportamentos relacionados ao papel de gênero possuem vários níveis de complexidade. Apesar de enfatizar o fator biológico no papel de gênero, a cultura também tem papel importante. Sem querer aprofundar nessa questão, podemos dizer que o fator biológico é mais evidente ao observarmos comportamentos mais simples. Por exemplo, o comportamento de brincar em ratas expostas à níveis altos de testosterona no período pré- ou neonatal é bem mais agressivo, o que é característicos das brincadeiras dos machos.

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