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Alterações cerebrais na dislexia antecedem o início da leitura

domingo, 29 de janeiro de 2012 0 comentários
A dislexia do desenvolvimento é caracterizada por um grave problema de leitura em pessoas que têm inteligência e vida escolar normais. A dislexia é um transtorno bastante frequente em escolares. Sua prevalência varia entre 5 a 17% e é fortemente influenciada pela. Os estudos de ressonância magnética funcional têm mostrado que adultos e crianças com dislexia do desenvolvimento, quando comparados com pessoas sem esse transtorno, possuem um ativação reduzida do córtex parietotemporal e occipitotemporal durante a leitura e tarefas relacionadas. Esse padrão de ativação regional reduzida tem sido associado a déficits em processos associados à leitura (por exemplo, as habilidades fonológicas e nomeação automatizada rápida). De fato, essas regiões são responsáveis pela análise fonêmica e pela conversão de símbolos escritos a unidades fonológicas da fala (conversão grafema-fonema), dois processos cognitivos centrais que medeiam a aquisição da leitura. Além disso, há evidências de que indivíduos com dislexia do desenvolvimento possuem menor volume nas regiões parietotemporal e occipitotemporal esquerdas, giros fusiforme e lingual, e no cerebelo.

Possivelmente essas alterações cerebrais já estariam presentes antes do ensino da leitura, visto que os transtornos da aprendizagem são considerados problemas desenvolvimentais, mas não tínhamos muitas evidências científicas disso. Descobrir um padrão de alteração cerebral existente antes do ensino da leitura teria uma enorme relevância, pois possibilitaria intervenções fonoterápicas e pedagógicas precoces. Atualmente, a dislexia do desenvolvimento só pode ser diagnosticada após o ensino formal da leitura. "Muitas vezes, no momento em que têm um diagnóstico, já se passaram três anos com colegas dizendo que são estúpidos, os pais dizendo que são preguiçosos. Sabemos que eles têm uma baixa auto-estima. Eles estão realmente lutando", disse Nadine Gaab em entrevista à Folha. Antes disso, ela pode apenas ser suspeitada naquelas crianças que tiveram um atraso no desenvolvimento da linguagem ou que possuem sinais mais sutis, como pronúncia embolada de palavras, dificuldade com rimas e confusão de palavras com som semelhante.

Recentemente, um estudo coordenado por Nadine Gaab. investigou se as alterações de substância cinzenta observadas em adultos e crianças com dislexia do desenvolvimento poderiam ser observadas em crianças pré-escolares com um histórico familiar de dislexia do desenvolvimento. Essas crianças foram comparadas a crianças sem história da família de dislexia e pareadas de acordo com a idade e o QI. Foram examinadas 20 crianças de cada grupo, com idade média de 5,9 anos.

O estudo utilizou a morfometria baseada em voxel, uma técnica de ressonância magnética estrutural, e revelou um volume de massa cinzenta significativamente menor nas crianças com um histórico familiar de dislexia do desenvolvimento nas regiões occipitotemporal esquerda, parietotemporal bilateral, giro fusiforme esquerdo e giro lingual direito. Houve uma correlação entre os índices de volume de massa cinzenta em regiões occipitotemporal e parietotemporal esquerdas com a nomeação automatizada rápida, ou seja, quanto pior a performance nessa atividade, menor o volume cortical. Não houve diferenças entre os dois grupos nas regiões frontal e cerebelar.

Esta descoberta reforça a ideia de que as alterações cerebrais da dislexia do desenvolvimento não são decorrentes de questões ambientais relacionadas ao método pedagógico ou a outras experiências que possam ocorrer durante a vida escolar. Pelo contrário, elas podem estar presentes ao nascimento ou se surgirem durante uma fase precoce do desenvolvimento, antes do início da leitura. O estudo possui claras limitações, como o pequeno número de participantes, o seu delineamento trasnversal (ou seja, só saberemos se essas crianças são realmente disléxicas daqui a alguns anos) e o fato de ter comparado as crianças apenas com controles saudáveis. É importante sabermos se há alguma especificidade para a dislexia nesses achados ou se não são achados comuns em crianças com outros problemas do desenvolvimento. É possível que haja alguma especificidade nos achados, visto a importância dessas regiões para a consciência fonológica. Mais estudos utilizando amostras maiores e análises longitudinais são necessários, a fim de determinar se essas alterações podem ser utilizadas como marcadores biológicos para a identificação precoce de crianças em risco de desenvolver dislexia, prevenindo problemas sociais e psicológicos futuros.

No entanto, não basta simplesmente confirmar as áreas que possivelmente estão alteradas na dislexia. Uma outra dificuldade para se encontrar um marcador biológico da dislexia é revelar como a cultura pode influenciar o efetivo surgimento da dislexia. Alguns pesquisadores acreditam que a (ir)regularidade da conversão ortografia-som pode influenciar a prevalência da dislexia, apesar da existência de alguma diferença cerebral. Ou seja, o pré-escolar com a mesma alteração cerebral poderia vir a ser disléxico nos Estados Unidos, mas ser um leitor razoável na Itália. Isso nada tem a ver com os métodos pedagógicos dos dois países ou com a qualidade do ensino. Digamos que na Itália "se lê como se escreve", ou seja, há maior regularidade entre ortografia-som, e isso seria importante para o aprendizado da leitura. No entanto, há quem discorde dessa visão e ache que a regularidade ortografia-som não tem grande influência na gênese da dislexia, que teria uma origem puramente neurobiológica.


Referência:
Raschle NM, Chang M, Gaab N. Structural brain alterations associated with dyslexia predate reading onset. Neuroimage. 2011 Aug 1;57(3):742-9. [Link]

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